quarta-feira, 30 de novembro de 2016

Queria beber apenas um copo




Queria beber apenas um copo,
embriagar-me do teu corpo
e da tua carne branda.

Queria beber apenas um copo
e viajar na tua fragata de sentimentos,
respirar pelos teus poros,
colmatar esta minha sede eterna,
diluir o meu corpo no teu,
abrir a porta dos teus segredos
e desvendar a erecção do poema.

Queria beber apenas um copo,
queria saciar-me de ti.
queria o aroma do teu sexo…

Marco Mangas

sexta-feira, 25 de novembro de 2016

Falta-me o ar



Falta-me o ar

Falta-me o ar,
as persianas sufocam o grito dos pássaros,
a clareira das palavras tapadas pela cortina,
o prédio está a desmoronar-se
de tanto sufoco visceral e feroz…
Continuo feliz neste desconforto,
oiço vozes e choros entrelaçados
lá fora,  o mundo cruel,
ardem os frutos,
crestam-se as árvores,
matam-se os homens
e os pássaros…


Falta-me o ar,
prefiro morrer de medo,
do que morrer da ganância.

Marco Mangas

terça-feira, 15 de novembro de 2016

Um fruto...


Apenas
o refugio de um fruto
que se abriga do frio.

Intolerável
a inquietude do seu manto corpóreo.

Caduca
a sua respiração,
a sua forma de estar,
o seu corpo
(cada vez mais denso)
consumido pelas palavras ocas
e pelo tempo vão…

Um fruto.
Um fruto, apenas…

Um fruto cada vez mais só,
cada vez mais ébrio,
cada vez mais próximo da terra,
da infertilidade,
da insensatez,
da cegueira da multidão.

Um fruto maduro que se suicidou,
um fruto que não alimentará
a gula do Homem.


Marco Mangas

quinta-feira, 10 de novembro de 2016

Hoje


Hoje
mergulho na palma da tua mão,
desvendo a cura para o teu passado,
imagino-te aqui
semeada entre os vales cinzentos,
observo-te entre os meus dedos
que acariciam os teus cabelos
na aurora matinal.
Rego-te com silêncio,
pureza em bicos de pés,
descubro o teu segredo nos troncos
do meu pálido pensamento,
alvoroço e frescura da terra.
É neste baú
que guardarei o teu fruto,
e os dias que nos restam
até à próxima colheita…


Marco Mangas


Escrevo tudo



Escrevo tudo
menos o que vejo
a vulnerabilidade do amanhã
sobre a noite
sem rosto.

Descrevo o ar que respiro
o ar que desejo
depois do amanhã
sem lume
e sem desgosto.

Transcrevo a nudez
do bocejo
depois do depois de amanhã
no banco de jardim
do lado oposto...


Marco Mangas

Escrevo tudo



Escrevo tudo
menos o que vejo
a vulnerabilidade do amanhã
sobre a noite
sem rosto.

Descrevo o ar que respiro
o ar que desejo
depois do amanhã
sem lume
e sem desgosto.

Transcrevo a nudez
do bocejo
depois do depois de amanhã
no banco de jardim
do lado oposto...


Marco Mangas

terça-feira, 20 de setembro de 2016

Nevoeiro



Perco-me entre as brumas do nevoeiro,
visão turva, descalça, sem fulgor…
Quero abraçar as clareiras da terra,
desvendar os fragmentos de mim,
colher as palavras ambíguas do passado
incessante…
Procuro o paladar e a voz,
 o sustento de minha existência
consumida pelo nada,
uma folha branca, sem mácula,
sem narrativa, um conto vazio,
um verso disperso de si mesmo,
nada se avista ao alcance do poeta.
Hoje sou a névoa e nada mais.

Marco Mangas @ 20 de Setembro de 2016

quarta-feira, 31 de agosto de 2016

Inseparável de ti...


Inseparável de ti,
brisa do mar, areal a Sul.
Apenas a tela me separa
do laivo suscitado pelas marés.
Os socalcos que se afogam na sua fragância,
silêncio que se rasga neste eco de sentidos.
Os canaviais que se alimentam da cacimba
despertada pelo marasmo do anoitecer.
As pedras lisas, inertes,
são corpos albergados e levianos,
mergulhados no silêncio cristalino,
balançados na repetição súbita
das ondas e da lembrança.
A jusante, as conchas renascem,
evidenciando-se dos restantes minerais,
um relevo pintado de sal e esperança,
salpicos da voz,
outra forma de expressão poética.

É esta a realidade que encontro
no baú dos segredos oníricos,
encoberta por este manto de algodão,
borbotos salsuginosos onde mergulho.

Sou inseparável de ti…


Marco Mangas @ 31 de Agosto de 2016

quinta-feira, 4 de agosto de 2016

Questiono-me



Onde estará a substância,
o sorriso da sombra que se esconde na penumbra,
a brisa deste deserto de palavras turvas,
o tropel das tempestades,
os dias ébrios e a sabedoria do vinho?

Dias súbitos…

Rosto de silêncio e sol,
timidez vertiginosa desta fadiga intemporal,
aridez imperfeita, imatura,
túbida masturbação da chama,
desejo disperso…

Inconscientemente,
procuro o abrigo, a pureza,
uma pedra que me dê conforto,
alento para beber mais um copo,
a serenidade renascida do poema.


Marco Mangas @ 04 de Agosto de 2016

sexta-feira, 29 de julho de 2016

A terra



Hoje respiro a terra,
transpiro o sal e o sol,
o silencio sobre as águas deste mar a sul,
o desejo bordado e transbordado
em tons de arco-íris
formando pétalas de esperança,
melodias deste vento incoerente, bravio...
Rodopio na terra fina,
areal da vida, versos longínquos,
versos que bebo neste vai-vém das ondas,
salpicos de suor que fecundam a terra,
desabrolho-me no papel
e nas palavras que não secam…

Marco Mangas @ 29 de Julho de 2016

quinta-feira, 30 de junho de 2016

…dialogava eu (sozinho)




…dialogava eu (sozinho)
diante aqueles  rios de pedra,
que penetravam na terra seca,
rasgando a sua sede asfixiante,
sem leme e sem rumo,
à hora da cegueira da sombra,
enquanto reparava o casco do velho bote,
com versos súbitos,
cânticos que ainda lá perduram,
intimidade nas lágrimas
que ainda me rasuram o rosto…
Serei eu a pedra?
A sombra?
Farei parte da terra?
Onde está o leme?
O bote?
Os rios?!?
Nada aprisiona o poema…

Marco Mangas

quinta-feira, 23 de junho de 2016

Tavira, cidade!


Tavira no seu pranto histórico,
magia de cultura e prazer,
espaço harmonioso, categórico,
pátria que me viu nascer…

Lugar sublime, metafórico,
suas trinta e sete igrejas para sorver,
seu património arquitectónico,
não há palavras para o descrever.

Uma lembrança que suscita saudade,
seu regaço é o meu conforto,
meu berço, serenidade!

Um misto de sentimentos, reciprocidade,
abraçada pela serra e pelo mar absorto,
aqui tão perto, Tavira, cidade!

Marco Mangas

quarta-feira, 22 de junho de 2016

Rio Gilão



Corro no leito deste rio,
procuro a sombra,
as palavras que me acariciam,
hiante este desassossego,
levante prodígio,
embriagado,
procuro as pétalas de mim,
as margens de ti,
a foz deste agouro magistral,
onde desagua este rio Gilão…

Marco Mangas

sexta-feira, 3 de junho de 2016

Pêndulo


Pêndulo de sentidos,
amarrado a uma corrente de palavras,
um maço de notas poéticas,
cantos renascentistas,
papéis ardidos,
velas queimadas,
consumismo, metamorfose…

Tudo convertido em cera
o tempo do passado,
a realidade presente,
o pretérito-perfeito recalcado.

Pêndulo de uma lembrança,
o vai-e-vem de um adulto-criança,
e suas memórias,
o vazio do corpo,
a vela consumida,
o gesto vazio.

O que ardeu já não se consome.

Marco Mangas

segunda-feira, 9 de maio de 2016

Dilúculo



Admiro e soletro esta inquietude,
o nevoeiro da terra,
o caule das rosas,
a insensatez dos espinhos
que perfuram a carne branda,
exaltação do corpo,
pálpebras de uma tocha acesa,
espinhos de fogo,
devastação de madrugadas…

Há uma clareira, dilúculo,
gestação do medo,
outro dia,
o maior distúrbio dos horizontes,
a mesma rua vazia,
sangue derramado nas palavras,
adágio,
perfeição.

Marco Mangas

sexta-feira, 15 de abril de 2016

Quero-te


Quero-te inocuamente,
louco de ser
na sombra da minha existência.

Quero a tua fertilidade,
as palavras profundas da terra,
coroa de jasmim.

Procuro-te nas sombras,
no silêncio da chuva,
vulto da tua essência.

Procuro a flor eterna,
nas pálpebras do horizonte,
a metáfora de mim.




Marco Mangas @ 15 de Abril de 2016

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016

Ainda há pouco...



Ainda há pouco aqui estava
sentado,
diante o espelho,
provando as gotas do seu reflexo,
querendo desvendar
marcas de um passado
e algumas dedadas
do teu corpo.
…e nada.


Ainda há pouco aqui estavas
sentada,
diante o meu corpo,
teu sorriso
tocando o meu rosto,
palavras dóceis,
d’encanto, volúpia…
Sensatez do poema,
uma pedra fria.


Marco Mangas @ 18 de Fevereiro de 2016

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016

banalidades de um poeta


nasci carne e osso,
sonhei no infinito,
escrevi durante a queda no precipício,
semeei esperança,
compus a terra,
observei o nada,
pintei minhas mágoas,
viajei sem rumo,
sobrevoei outeiros e oceanos,
cruzei caminhos,
rasguei folhas de árvore,
sorri para a pétala de uma flor,
admirei o excêntrico,
descobri um ser,
colhi o explendor,
apaixonei-me pela vida,
contemplo a morte

…banalidades de um poeta!

Marco Mangas @ 17 de Fevereiro de 2016

terça-feira, 19 de janeiro de 2016

Neste trilho de memórias…



Neste trilho de memórias,
ante vultos sombrios,
heis um clarão,
um poema que espreita o ventre,
o corpo da semente
fecundada pela lágrima
que não me ocorre.
Tacteio a terra,
firmo o olhar neste deserto
de palavras espezinhadas
pela mágoa e pela saudade
dos que partiram….
Vislumbro o tom fosco das raízes
devastadas pelo fogo,
aterrorizadas por esta vida telúrica
e seus transeuntes.


Marco Mangas@ 19 de Janeiro de 2016