segunda-feira, 23 de janeiro de 2023

Hipocrisia

 


Não…

Não faço nada para agradar a quem quer que seja,

prefiro desagradar só para quebrar o pau seco da conveniência,

marginais perversos das relações,

prostitutas da sedução e da vida alheia.

Olhem para os meus dedos a suar de tesão para vos fuder a 

beatice e a hipocrisia…

Quem me dera poder derramar esse vosso sangue pastoso neste

libertino papel, ouvindo na carícia da nudez os vossos gritos de

aflição….

 

Marco Mangas


domingo, 9 de maio de 2021

Lírios


Colhi dois lírios na madrugada

adivinhava mau tempo

não podia deixar que murchassem

o (en)canto dos estames,

o brilho dos pinheiros, dos melros

e do sobretudo.

 

A manhã acordou mais triste,

sem veludo e sem cor,

perdoai-me

mas o quadro ficou mais belo,

pintado com aguarela e sementes,

contornos de caruma e alegria

e mais um novo dia…

 

Marco Mangas


(nota pouco importante: na foto são orquídeas)


segunda-feira, 30 de março de 2020

É angustiante o tempo...



É angustiante o tempo...
O relógio não pára, os segundos que se apressam para alguns, os minutos que se escasseiam para outros, as horas desesperantes para a maioria dos que vivem e dos que continuam a lutar para sobreviver!
Outra manhã, longe da família para uns, outra tarde, fechados em casa para outros, ou simplesmente outro dia e outra noite em reflexão, seja lá onde for…
A música soa e deixo-me embalar para outra realidade... abro os olhos, fecho os olhos, mas o medo é o instrumento principal desta canção...
Outra e outra faixa... volta a repetir-se a mesma faixa... e nós aqui, à espera que o tempo cure, que a ferida sare, que a responsabilidade cresça e supere os preconceitos dos demais.
Enquanto uns choram, outros riem, outros gozam e outros que já cá não moram, nem uma coisa nem outra, a música perdeu-se no tempo…
…mas continuo a escutar os ponteiros do relógio: tic tac... tic tac... tic tac… respiro fundo outra e outra vez...inspiro toda a esperança que consigo alojar dentro de mim, expiro o medo e as notas mais graves, concentro-me no movimento dos ponteiros, sinto o valor do momento, aproveito estes preciosos instantes para reflectir e aprender mais e mais, como respeitar e a valorizar o que tinha e o que tenho.
Ainda me aguento, ainda respiro a batida do querer e do sonhar mais além… eu sou eu, eu sou tu, poderei fazer de conta que sou o tempo ou a nota musical que não conheço… sim, ainda posso gravar isto na minha memória, com lucidez e com a esperança de que amanhã será um novo dia...
E juntos poderemos conceber uma nova melodia…

Marco Mangas

terça-feira, 27 de novembro de 2018

Quero-te, flor!




Querendo desmascarar a sombra,
soprei na surdez do passado,
que invade os muros da revolta.
Apenas colhi a voracidade fingidora
de um ser comum e mortal,
matizes dos crepúsculos de outono,
a mistura de cheiros voluptuosos das flores
que me tocam e acariciam a pele…
As flores que se agasalham das noites gélidas e húmidas,
querendo também desmascarar a sombra,
trajando um sobretudo pálido mas acolhedor,
contrastando com o negrume da noite,
enquanto outras se despem, moribundas,
sem razão aparente…
Arrepio-me…
Arrepio-me e debruço-me sobre elas…
Ainda consigo vislumbrar aquele olhar ébrio
que azumbra, às vezes, o poeta,
aquele olhar que se confunde com a alegria mefistofélica,
ainda consigo sentir o seu fôlego,
um zumbido na terra,
uma dor aguçada no meu peito,
não consigo mergulhar na indiferença…
Quero-te, flor!

Marco Mangas



quinta-feira, 22 de março de 2018

Nuvem


Sobrevoo no sonho,
ao invés da sombra e da terra fria,
os olhos são fúria,
requinte deste corpo febril,
de mãos dadas com o horizonte
transporto o contraste nas pupilas,
quero inverter as cores,
saborear os prazeres desalinhados,
distorcer os filamentos do silêncio,
alcançar a leviandade dos céus…

Perco as asas,
continuo a sobrevoar
na teimosia e na verticalidade do suspiro,
manuseando o esplendor dos corpos,
liberdade de pedra,
labirintos sangrentos que fustigam a carne
e antecipam a dor,
é ingreme a vertigem,
quero não ser,
quero continuar a alimentar o sonho.

Marco Mangas

segunda-feira, 5 de março de 2018

(Nestes dias)


(Nestes dias)
…observo a inquietude dos campos,
os ramos de árvore ganham vida,
rasgam-se corpos
que voam sem rumo pelas cidades
no desespero e seiva de dor.

(Nestes dias)
...observo as fogueiras apagadas na cinza,
camufladas pelo céu,
inebriadas pela força das tormentas
como as raízes que se escondem
na fertilidade da terra
e que procuram o seu (con)solo.

(Nestes dias)
…procuro o conforto dos pássaros,
os esconderijos de suas crias assustadas,
as árvores eram o seu único abrigo,
as sementes que já lá não estão (o seu alimento),
os dias de sol, o seu alento!

(Nestes dias)
observo, procuro e escrevo,
mas não ignoro as tempestades…


Marco Mangas


quinta-feira, 14 de setembro de 2017

Manhãs



…queria ser o rosto das manhãs,
o parágrafo rústico daquele rochedo
(in)corpóreo,
o habitat dos pássaros
que gritam a liberdade,
o contraste dos dias que passam,
o pranto e a vertigem do silêncio,
o gelo que derrete nas mãos,
mas não.
…prefiro ser eu, sem rosto
(no sentido figurativo),
ter a sensação e a amplitude
de tudo o que me toca,
poder mergulhar na vertigem
e no abismo das águas gélidas,
poder sarar as rugas, página a página,
encorajando os pássaros,
percorrendo todas as manhãs,
palavra ante palavra, pé ante pé.

Marco Mangas

quinta-feira, 6 de julho de 2017

Éramos




Derramados sob a cal,
éramos corpos vadios,
corpos vaidosos,
alguém gemia um cantigo plagente
na sombra descartável da vida.

Éramos um sopro do desejo pestilente
à mingua e à beira da morte,
areia adusta…

Marco Mangas

terça-feira, 9 de maio de 2017

Silêncio


Finalmente consegui sentir e contemplar a nitidez da palavra.
Tanto tempo a procurar entender o que poderia estar para lá da antiga estante.
Fragmentos de poetas, fanzines, livros de banda desenhada, metáforas, matéria sem liberdade, morte e um novo cais de embarque com destino a um novo mundo.

Um mundo onde o silêncio se regenera…

Marco Mangas

quarta-feira, 22 de março de 2017

Quebra-se o mar...


Quebra-se o mar
sobre o pranto das lembranças,
a lucidez dos sonhos
é a marca viva do deslumbramento,
o outro lado do espectro,
vicissitude da vida poética.

Quebra-se o mar
sobre as margens do passado,
o tempo cobiçado na orla do presente,
brota-se o fundo e a magia
de um pensamento perdido
e condecorado pelo céu.

…nasci alma, morrerei pedra!

Marco Mangas