terça-feira, 27 de novembro de 2018

Quero-te, flor!




Querendo desmascarar a sombra,
soprei na surdez do passado,
que invade os muros da revolta.
Apenas colhi a voracidade fingidora
de um ser comum e mortal,
matizes dos crepúsculos de outono,
a mistura de cheiros voluptuosos das flores
que me tocam e acariciam a pele…
As flores que se agasalham das noites gélidas e húmidas,
querendo também desmascarar a sombra,
trajando um sobretudo pálido mas acolhedor,
contrastando com o negrume da noite,
enquanto outras se despem, moribundas,
sem razão aparente…
Arrepio-me…
Arrepio-me e debruço-me sobre elas…
Ainda consigo vislumbrar aquele olhar ébrio
que azumbra, às vezes, o poeta,
aquele olhar que se confunde com a alegria mefistofélica,
ainda consigo sentir o seu fôlego,
um zumbido na terra,
uma dor aguçada no meu peito,
não consigo mergulhar na indiferença…
Quero-te, flor!

Marco Mangas



quinta-feira, 22 de março de 2018

Nuvem


Sobrevoo no sonho,
ao invés da sombra e da terra fria,
os olhos são fúria,
requinte deste corpo febril,
de mãos dadas com o horizonte
transporto o contraste nas pupilas,
quero inverter as cores,
saborear os prazeres desalinhados,
distorcer os filamentos do silêncio,
alcançar a leviandade dos céus…

Perco as asas,
continuo a sobrevoar
na teimosia e na verticalidade do suspiro,
manuseando o esplendor dos corpos,
liberdade de pedra,
labirintos sangrentos que fustigam a carne
e antecipam a dor,
é ingreme a vertigem,
quero não ser,
quero continuar a alimentar o sonho.

Marco Mangas

segunda-feira, 5 de março de 2018

(Nestes dias)


(Nestes dias)
…observo a inquietude dos campos,
os ramos de árvore ganham vida,
rasgam-se corpos
que voam sem rumo pelas cidades
no desespero e seiva de dor.

(Nestes dias)
...observo as fogueiras apagadas na cinza,
camufladas pelo céu,
inebriadas pela força das tormentas
como as raízes que se escondem
na fertilidade da terra
e que procuram o seu (con)solo.

(Nestes dias)
…procuro o conforto dos pássaros,
os esconderijos de suas crias assustadas,
as árvores eram o seu único abrigo,
as sementes que já lá não estão (o seu alimento),
os dias de sol, o seu alento!

(Nestes dias)
observo, procuro e escrevo,
mas não ignoro as tempestades…


Marco Mangas